O negócio é dormir sem medo do outro dia. (Raul Seixas)

Um príncipe

 Ele já não é nenhum garotão, apesar de fazer a linha. Perto dos setenta. Setenta anos de idade. Alto, bem alto; forte, muito forte. Marrento. Simpático. Pele permanentemente bronzeada. Cabelos brancos penteados para trás. Esportista desde sempre. Machão. Separado. Namorador. Um galã à moda antiga. Pra se ter uma idéia da estampa do cara, ele lembra o saudoso ator Hélio Souto. Um verdadeiro príncipe.

Além de praticar esporte, também gosta de dançar. Pé de valsa. Sempre ligado nos bailes da cidade, não perde um. Comparece, dança, transpira e arrasa no salão. Não pense que ele só faz sucesso com as coroas. Muitas jovens fazem de tudo para enlaçar-se em seus musculosos braços. E ele manda bem. Rebola em qualquer ritmo.

Certa vez, num desses bailes de final de semana, quando foi no bar pegar um copo com gelo para colocar o uísque que trazia de casa, numa garrafinha presa na meia, esbarrou no ‘monumento’. Morena alta, bem alta. Do tamanho dele.

— Desculpa, foi sem querer.

— Nada não, sem problema.

É hoje! Olhos nos olhos. Dali para a pista de dança, ao som de um bolero, não se passaram cinco minutos. Rosto colado. Sorrisos. Olhos fechados. Juras de amor.

Nosso príncipe é o rei do salão. Todos os olhares pra ele e pra ela. Está abafando. Quanto mais olham, mais ele agarra a morena altona, pela cintura. A orquestra dá uma pausa, eles voltam para o bar. Ele pede mais gelo no copo e ela um cuba libre. Quando ela pede licença e sai para ir ao toalete, um amigo dele, também freqüentador assíduo dos bailes, aproxima-se.

— Essa daí é manjada na área, meu! Ainda não ‘sentiu’ nada?

No dia seguinte, no basquete do clube, todo mundo já sabia que o nosso príncipe viril havia dançado de rosto colado com outro rapaz.

— Se deixou colar o rosto é porque rolou beijo... e beijo na boca! - brinca um amigo.

Só não saem no tapa, porque a turma do deixa disso não deixa.

— Se tá nervosinho assim é porque beijou...

Como ele, logo ele, um garanhão, ia dar uma mancada dessa?

— Também, já tava no quinto uísque. Se vocês vissem a figura, não iam desconfiar de nada. Pernão. Dentes lindos, precisa ver o sorriso dela, dele, sei lá. Mulher de verdade. Acontece com qualquer um... – Sempre tem uma boa justificativa na ponta da língua, o príncipe.

No outro final de semana, domingão, céu azul, nenhuma nuvem, ele aparece no clube, amuado, sem aquela simpatia e disposição costumeira. Descobrem que vai fazer exame de próstata, pela primeira vez, no dia seguinte. O tal do exame do toque. Nessa idade. Além da dura que leva dos companheiros por adiar tantos anos o exame, também ouve ‘conselhos’: pede pro médico enfiar dois dedos, é muito importante uma segunda opinião; o perigo é o bafo no cangote; tem gente que pega gosto...

Acorda bem cedo, toma banho, passa talco nos pés, coloca o sapato novo e cueca. Detalhe: nosso príncipe só coloca cueca em ocasiões especiais – quando vai ao médico (de repente, ele pede para eu tirar a calça) ou quando vai comprar calça (não fica bem experimentar uma calça sem cueca). Por outro lado, ensina que não há nada melhor do que dançar sem cueca.

Está em pânico. Seu estado emocional piora depois que o médico, gordinho, dedos grossos, bem mais jovem do que ele, tipo sério, o recebe com um sorriso meio enigmático. Lembra-se de uns amigos que já tomaram a dedada e contaram que, as vezes, o paciente tem ereção e ejacula quando o profissional faz o procedimento. Já pensou?

Responde, envergonhado, a todas as perguntas do médico. Mãos geladas. As pontas dos dedos chegam a ficar roxas. Leva outra bronca por nunca ter feito o exame. Ouve a ladainha de que depois dos cinqüenta todo homem deve fazer pelo menos uma vez por ano, de que só o de sangue (tinha feito vários) não basta, de que isso é um preconceito machista...

— O senhor pode entrar na salinha aqui ao lado e pendurar a roupa no cabide.

— Tira tudo?

— Não, só a calça e a cueca. Pode deitar. De costas, por obséquio.

O gordinho coloca uma luva de plástico, besunta os dedos em uma espécie de vaselina. Pede pra ele levantar as pernas, segurando-as por trás dos joelhos. Nosso príncipe fecha os olhos, acha-se ridículo, seja o que Deus quiser.

O tal toque não dura 3 segundos. Um, dois, três! Acabou. Pensou que fosse com o dedo do meio, o do palavrão, que fosse demorar o maior tempo. Foi com o fura bolos, rapidinho.

— Pronto. Tá tudo bem.

— Já acabou?

Se soubesse que seria tão rápido, não teria sofrido tanto. Suava em bicas. Suor gelado. Depois, até simpatizou-se com o médico gordinho, rápido no gatilho.

No outro final de semana, na cerveja após o basquete, toca o celular do nosso príncipe.

— Atende aí pra mim, por favor. Tô com a mão molhada.

— É a enfermeira do seu urologista.

— O que que ela quer?

— Disse que você esqueceu a cueca no consultório.

— Desliga essa merda!

O amigo devolve-lhe o celular.

— Esquecer cueca no urologista, nunca ouvi dizer...

Desta vez, como justificar a mancada? O pessoal cai em cima. Nosso príncipe fica puto. Vai embora resmungando. Diz que isso é falta de ética, que o sigilo médico deve estar acima de tudo, que não vai deixar barato...

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Leonel Prata

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