O negócio é dormir sem medo do outro dia. (Raul Seixas)

As três amigas

— Ainda bem que perdemos na primeira rodada. Agora temos tempo pra conversar e curtir nossas sonhadas férias.

Para as três amigas, o torneio de tênis feminino, pré-veteranas, de Campos do Jordão, terminou mais cedo. Era tudo o que elas queriam: ficar longe dos maridos por uns dias e aproveitar a badalada temporada de inverno da cidade.

— Acho um gato, esse argentino.

— Charmosérrimo. E mulherengo! Olha só como ele olha pra gente.

— Cortaria um pouco esse cabelão fora de moda. Por trás, parece mulher.

As três amigas almoçam em uma churrascaria, no centrinho, que é comandada por um argentino, simpático e charmoso.

— Meu marido não passa uma semana sem um rodízio. Nunca vi gostar de carne desse jeito. E depois ainda me pergunta se está barrigudo.

— O que será que eles estão fazendo em São Paulo?

— Tô de férias, amiga. Não tô nem aí. Quer saber? Em primeiro lugar, meu marido é fraco pra bebida. Se saiu pros puteiros da vida, não passou da primeira dose. Deve ter caído de sono. E reclamado do barulho da boate. kkkkk!

O argentino se aproxima com o cardápio, ajeitando o cabelo, todo gentil. Risonho, anota os pedidos e se afasta.

— Até que essa bunda não é de se jogar fora...

— Comparando com a do meu marido... Dez a zero pro gringo. kkkkk!

— Acho esse arrentino um charme, sabia? Barriguinha de tanquinho, olha só.

Vem o bife de tira, a picanha bem passada, a salada completa sem cebola, o arroz e as demais guarnições. E o vinho. Argentino.

— Será que eles caíram na gandaia?

— Se for pela cabeça do meu marido, não tenho a menor dúvida. Ele está sempre de olho comprido nas jovencitas do condomínio. Parece que não se enxerga, com aquela barriga ridícula.

As três amigas, seus respectivos, mais filhos e filhas moram no mesmo condomínio, de casas, em São Paulo. As famílias sempre viajaram juntas nas férias.

— Acha que iam perder uma oportunidade dessas de sair, solteirinhos da silva, depois de quase vinte e cinco anos de casados? Duvideodó.

— Sorte que o meu marido também não é muito chegado em bebida. Depois do segundo copo, já tá chamando urubu de meu louro. Se misturar então...

— O meu, quando bebe além da conta, passa mal no dia seguinte. Fica imprestável. Parece um bebê abandonado.

Pedem outra garrafa de vinho. O argentino traz. Sorri. Cortesia da casa.

— Ah, se eu tivesse dez quilos a menos...

— Acho que o seu corpo está muito bom, sabia? Tá pensando em dar mole pro gringo, é?

— Ele tá de olho em você, sua tonta. Não tirou os olhos do seu decote.

Pedem a sobremesa: petit gatô, creme de papaia com cassis e abacaxi.

— Não rola... Se eu tivesse quinze anos menos, podia até pensar – diz a do decote. — Agora não dá. Vou ficar tensa, preocupada com o lado que ele está me olhando, se o meu peito tá caído, a bunda, o cabelo, a maquiagem, o hálito, sei lá.

— Tem toda razão. Até com o meu marido eu fico meia assim... Se bem que isso só acontece uma vez por mês e olhe lá!

— Uma vez por mês? Sortuda! kkkkk!

As três amigas saem. Despedem-se do argentino, que as beija. E as abraça. Ele tenta uma aproximação física maior, no momento do beijo e do abraço em cada uma, mas as três se esquivam, empinando a bunda pra trás. E se retiram.

— Esse cara me deixou nervosa...

— Eu não teria coragem. Nunca traí meu marido. Agora, então, depois de velha... Never more.

— Eu também nunca saí com outro nem nunca traí. Só em pensamento e em sonho. Sempre com o Antônio Fagundes. Até nisso eu sou fiel.

Vão tomar um café ali ao lado.

— Quer saber? Fiquei com saudades do meu marido.

— Vamos fazer uma surpresa pra eles?

— Ótima idéia! Esse argentino me deixou fora de si. Vamos amanhã bem cedinho.

Chegam no condomínio, em São Paulo. Cada uma vai pra sua casa. Combinam de almoçar mais tarde, no shopping, pra contar as ‘novidades’.

— Meu marido já estava tomando café da manhã, quando eu apareci de surpresa. Tomou um puta susto, coitado. Ficou todo sem-graça. Tava com o pescoço duro. Disse que nem saiu de casa. Dormiu de mau jeito na poltrona, assistindo o Jô. Só acordou com o sol entrando pela sala.

— Mas ele não foi jogar pôquer na casa daquele pessoal novo, da 43-B? Meu marido tava desmaiado na cama, de roupa e tudo. Acordou assustado e falou que os três passaram a noite inteira jogando baralho com o vizinho. Disse até que tava com sorte.

— O meu marido dormia completamente nu na cama, o banheiro todo vomitado, o maior bafo de álcool. Um horror! Bebeu quase um litro de água antes de começar a falar. A falar, não, a gaguejar, depois que me viu. Disse que saíram os três pra comer pizza e tomar vinho. Voltaram cedo pra casa. Reclamou que a calabresa estava estragada.

As três amigas resolvem marcar uma reunião para logo mais à noite, com os respectivos, na casa de uma delas, pra tirar essa história a limpo.

— Não sabem nem mentir.

— Casamento longo atrofia o cérebro, sabia?

— Homem nenhum presta!

À noite, ninguém aparece. O marido de uma das amigas foi dormir mais cedo, porque não agüentava mais o torcicolo. O da outra passou o dia inteiro de molho, piriri, sem condições de sair de casa. O da dona da casa da reunião ficou aliviado, estava mesmo morrendo de dor de cabeça.

Diante da ‘realidade’, as três amigas resolvem voltar para Campos do Jordão. Para assistir ao encerramento do campeonato de tênis. E quem sabe comer uma carninha no centrinho...

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