O negócio é dormir sem medo do outro dia. (Raul Seixas)

Os três amigos

Os três são amigos de infância, do interior. Vieram juntos para a capital, estudar. Tipo irmãos. Casaram mais ou menos na mesma época, há uns 25 anos. Vão comemorar as bodas de prata em uma única festa de arromba, já combinada. Têm filhos com idades parecidas. Moram no mesmo condomínio, de casas, em bairro classe média. As respectivas também sempre se deram. Tudo em paz.

Julho. As três esposas resolvem ‘tirar férias’ dos maridos e dos filhos e vão para Campos do Jordão, participar de um torneio de tênis, feminino, na magnífica casa de um deles.

— Desta vez só vai a mulherada – decreta a dona da casa.

Os três amigos concordam e se entreolham.

Nem bem as mulheres partem...

— Que eu me lembre, fazem uns vinte anos que eu não saio à noite sem a minha mulher.

— Depois do casamento, eu nunca mais saí sem a cascavel.

— Então vamos pra night!

Reservaram mesa em um desses bares de paquera, freqüentados por homens e mulheres, solitários, acima dos quarenta.

Como são vizinhos, vão em um mesmo carro. O menos bêbado volta dirigindo. Bar lotado. A mesa deles está lá, reservada, com o Red Label e o balde de gelo, conforme acertado antecipadamente, apesar de nenhum dos três ser forte pra bebida.

— Nunca vi tanta mulher feia por metro quadrado em toda a minha vida. Se vocês me virem abraçado com alguma, chama o segurança que é briga.

— Larga mão de ser chato, meu! Mais dois uísque, tá todo mundo lindo. Relaxa e goza! A noite é uma criança.

— Até que não tá tão ruim assim. Olha aquelas ali na mesa da janela, do lado daquele careca, o gordo. Dão um caldo legal, essas aí, né não?

Algumas rodadas de uísque depois...

— Tô morrendo de sono. Não agüento esse mulherio feio. Nem essa falação.

— Agora que tá melhorando! Reparou na loira que chegou com a japonesinha? Pernuda. Tá te olhando, ô, pentelho! E você vai dormir?

— Essas aí têm cara que passam a noite inteira conversando, conversando e nada. Pegam telefone e combinam pro dia seguinte. E depois ainda vão ter de pagar a conta. Tô fora! Já passei da idade. Vou dormir.

— Mas são duas gostosa, meu! Ó o corpinho da japonesinha... Ó o colo da nisei...

— Isso aí é silicone puro, mané! Já viu japonesa de peito grande?

O amigo pega a chave do carro com o dono e vai dormir.

— Quando vocês pagarem a conta das duas e saírem de mão abanando, tô esperando no carro.

Os dois amigos que ficam no bar, continuam bebendo e de olho nas duas.

— Eu fico com a japonesa e você com a loira.

— Nunca peguei uma japonesa na minha vida! Deixa ela pra mim. Tenho a maior curiosidade.

Continuam bebendo. Bebendo e de olho nas duas, que já estão dando a maior bola pros dois. Quando secam a garrafa de uísque, tomam coragem.

— De onde vem essa beleza oriental? – diz o mais interessado, ao se aproximar da mesa das mulheres.

Os dois começam a beber vinho, para acompanhar as duas. Conversam, conversam. Bebem, bebem. Final da balada.

— Então, ficamos assim, querido! A gente se fala amanhã. Foi um prazer, tudibom – despede-se a japonesinha, com um beijo no rosto de cada um dos amigos, mantendo o corpo distante, na ponta dos pés.

— Mas... Vamos tomar um café... um licorzinho...

— Acordo muito cedo amanhã, tenho que trabalhar – sai a loira, beijando-os igualmente na face.

Os dois, completamente embriagados, pagam as contas. A deles e a delas.

— Cadê a chave do carro?

— Tá com você, cara! O carro não é seu?

Procuram pela chave, debaixo da mesa, atrás do balcão, em todo o bar. Cinco da matina. Não acham. Saem.

— Olha lá! O meu carro está lá. Cadê a chave, caraio?

— Eu sei lá de chave? Vamos chamar um táxi e vamos pra sua casa. Aí, você pega a chave reserva e nós voltamos aqui pra pegar o seu carro. Tem chave reserva, pelo menos? Sabe onde está?

— Lógico que tem chave reserva! Tá no meu criado-mudo, junto com as camisinhas, que eu nunca uso faz um puta tempo.

— Pois é... Sabe que esse vinho não me caiu bem?

— Pra mim também... Ô vinhozinho sem-vergonha!

Nasce o dia. O sol bate na cara do amigo que ficara dormindo no carro. ‘Esses viados foram embora, bebaços, e me esqueceram aqui’... Liga o carro e vai pra casa, esfregando os olhos.

Os dois amigos voltam para o bar, no mesmo táxi, com a chave reserva.

— O meu carro não tava mais ou menos ali?

— Acho que tava, sim. Sei lá...

Dão a volta no quarteirão e nada.

— Roubaram o meu carro! Minha mulher me mata!

— Vamos pra delegacia fazer um B.O.

— Que delegacia, que bêó, seu idiota! Vamos chegar lá neste estado, reclamando que roubaram o carro? Tá louco? Vão me prender e apreender o carro, isso sim! Não conhece a lei? Amanhã, quer dizer, hoje, a gente vê isso. Vamos tomar um banho e dormir.

Voltam para o condomínio e veem o carro ‘roubado’ estacionado na garagem da casa do dono, com a chave no contato. Sem entender nada, o amigo, vizinho diz zuzo-bem-boa-noite-até-amanhã e vai, cambaleando, pra casa. O dono do carro permanece imóvel.

— Foi o vinho... Não é possível!

 

 

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