O negócio é dormir sem medo do outro dia. (Raul Seixas)

Os malas

— Só mais uma coisa. Presta atenção! Cuidado, muito cuidado com as malas. Fiquem espertos. – Preveniu o melhor amigo, padrinho de casamento.

O casal nunca havia viajado. Ela, jamais tinha saído de Piracicaba. Ele, só foi para São Paulo uma única vez, pra jogar basquete, num inter-colegial. E isso há muitos anos. Só se lembra de ter visto muitos prédios, muitos carros, muita gente. E sentido muito frio no alojamento.

Ganharam de presente de casamento, dos padrinhos (fizeram uma vaquinha), uma viagem para a Europa. Lua de mel. Europa!

— Eu não quero nem saber, bem, vou fazer compra adoidada. Quero bater perna. – Disse a noiva, colocando, com alguma dificuldade, o cinto de segurança da poltrona do avião.

— E não me venha com essa chatice de museu, que eu tou fora. Não suporto velharia. – Avisou o noivo, conferindo os euros.

— Larga mão de ser jacu, bem. A gente dá uma passadinha rápida nos museus, pega aqueles papelzinhos que eles distribuem na entrada, vi isso num filme na tevê, tira umas fotos e pronto.

— Ah, bom! Mas eu fico te esperando na porta.

O casal saiu de Piracicaba e voou direto para Paris. “Cuidado, muito cuidado com as malas. Fiquem espertos.” Não tiraram isso da cabeça.

— Será que está frio na Europa, bem?

— Agora lá é verão, mô. Não viu no Jornal Nacional? Precisava levar tanta roupa? Seis malas!

— Coisa de mulher. E vamos trazer mais ainda, porque vou arrebentar a boca do balão nas magazines. Magazans...

No avião, o casal faz amizade com um outro casal, um pouco mais velho, que, coincidência, tinha comprado o mesmo pacote de viagem. E ficariam hospedados no mesmo hotel. Casal de Belo Horizonte. Era a terceira vez que viajavam para a Europa.

Paris. Aeroporto Charle De Gaulle. O noivo não deixou ninguém tocar nas malas. Nem o motorista do taxi, que os levou o hotel. Os dois casais foram no mesmo carro.

— A melhor coisa de viajar para o estrangeiro é poder falar palavrão, que ninguém entende. Olhem só o estilo desse motorista fedorento. Choufér que se fala, né? Não toma banho não, ô, Cascão! Bundão!

— Para com isso, bem. Olha os modos.

Os dois casais chegam ao hotel. O camareiro os recebe.

— Pode deixar essas malas aí, ô, magrelo!

— Hotel na Europa e em qualquer lugar do mundo é assim. Já viajamos muitas vezes... – Ensina o companheiro de viagem, desculpando-se com o camareiro.

— Mas comigo não tem disso não. Minhas malas, seguro eu. Né, mô? – Dá uma piscada para a esposa.

Os dois casais fazem o check-in, pegam as chaves dos quartos. O camareiro magricelo sobe antes com as malas do casal amigo. Um homem de terno azul-marinho, ali no saguão, aproxima-se. Entra no elevador com os quatro.

— Todas as vezes que viemos a Paris, ficamos neste hotel – diz a mulher do casal amigo. — É meio antigão, mas muito bom, arrumadinho, bem localizado.

— Quem é esse cara aí? Tá muito educado pro meu gosto. Isso aí, pra mim... E fica me olhando com essa cara...

— Para com isso, bem.

— Ele não tá entendendo nada do que eu tou falando. Olha a cara dele. Fica na sua, mô. Viadão! Boiola! Bicha-louca!

— Deve ser um hóspede como qualquer outro, bem. Deixa de implicância!

— Ainda fica com esse sorrizinho amarelo pra cima de mim. Isso aí ou é viado ou é ladrão. Dizem que tem muito travesti em Paris. Daqui a pouco dou uma bimba na orelha desse camarada.

Descem no andar. Pegam as malas. O casal de amigos entra no primeiro quarto do corredor. O homem do terno azul-marinho vai atrás do casal piracicabano. Eles apressam o passo. O do terno escuro também. Abrem a porta do quarto, entram rapidamente. Batem a porta na cara do homem.

— Ainda bem que avisaram a gente, né, bem? Você tem toda razão. Esse aí é um ladrão de malas. Viu como ele estava de olho nas nossas? Já pensou? Europa é fogo!

— Amanhã a gente dá parte pro gerente.

No dia seguinte...

— Hotelzinho de merda. Como é que alguém consegue tomar banho com um chuveirinho daquele? Não tem chuveirão nesta espelunca? Ou ensaboa ou enxágua. Isso aí lá em Piracicaba é pra lavar as partes.

O casal desce para a recepção. Os amigos já os aguardam para o city-tour.

— Espera um pouco que eu vou falar com o gerente, mô!

— Olha só quem está na recepção, bem!

O casal amigo aproxima-se. Cochicham.

— É aquele senhor do elevador, de ontem à noite, o do terno azul-marinho. Conversamos com ele antes de vocês descerem. Muito simpático. É o gerente do hotel. Fala português. Sotaque mineiro, acredita?

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