O negócio é dormir sem medo do outro dia. (Raul Seixas)

Cadê a perua?

Ele não perdoa uma. Tem sangue italiano, é carismático e bonito, apesar de baixinho. Não foi diferente com a loira vistosa, casada, fotógrafa profissional, sua nova vizinha de casa.

Ele foi falar sobre Sustentabilidade no condomímio de luxo, onde mora com a esposa e os dois filhos pré-adolescentes, quando a loira estilosa e mais alta do que ele, se aproxima.

— Amei a sua palestra...

— Gostou, é?

— Fiz umas fotos...

Não conversaram mais do que um minuto. O curto diálogo e a troca de olhares foram suficientes para um encontro ao cair da tarde do dia seguinte, ali naquele barzinho escondidinho da Vila Madalena.

— Meu marido sabe que vou viajar para a chácara, não se preocupe. É aqui pertinho. Vou levar as minhas filhas e a minha sogra para o feriado prolongado e volto à tardinha pra gente se encontrar. Tomamos alguma coisinha e eu vou para a chácara de novo.

Na caída da tarde, ele e a loira cheirosa beberam além da conta, a química bateu, resolveram esticar o encontro. Onde? Motel. Ele pediu para ir no carro dela, importado, já que pensava há algum tempo em comprar um igual e queria fazer um test-drive. A loira descontraída deu a chave. E lá foram eles em alta velocidade para uma noite de amor.

Beberam mais ainda e pegaram no sono (sim, transaram; ele não perdoa).

Sete horas da manhã toca o interfone do quarto do motel.

— Deve haver algum engano, meu senhor. Ligou no quarto errado.

A loira amassada levanta-se num pulo.

— O que que tá acontecendo?

Ele coloca a mão no bocal do interfone e cochicha.

— Tão dizendo que é da polícia e que roubamos um carro.

- Bobagem! Deve ser trote. Desliga isso e vem dormir mais um pouco.

— Dormir? Já amanheceu! Capotamos...

— É... o vinho...

— Acho que está havendo um engano, meu senhor. O carro é da minha noiva, não é roubado. Agora, se me dá licença.

Desliga. Antes de entrar no banheiro, o interfone toca novamente.

— Escuta aqui, meu senhor!... Sim, estou calmo... Ok, pode falar... Pois não... Pois não... (fala para a loira sonada) ... Parece que é da polícia mesmo e um tal de FULANO DE TAL está aí com eles... Dizem que roubaram a perua dele.

A loira esguia, nua, dá um salto da cama.

— Mas o FULANO DE TAL é o meu marido!

— Um minuto só, por favor, senhor.

Ele coloca a mão no bocal do telefone e conversa com a loira assustada, desta vez, sem cochichar.

— Como o Fulano de Tal é o seu marido? Você não disse pra ele que viajou para o sítio? Que história é essa agora?

— Deixa eu falar (enrola-se numa toalha)! Deixa eu falar!

— Um minutinho só, por favor, senhor. (para a loira aflita) É o delegado, fala logo!

— Alô! O Fulano de Tal está aí com o senhor? ... Não, não quero falar com ele... Subir? Aqui?

Ele, pressentindo o barraco, veste-se rapidamente, sem tomar banho, e dá uma de macho:

— Escuta aqui, doutor! Não, o senhor não pode entrar aqui no quarto! O senhor não vai fazer isso!

A loira nervosa começa a chorar e coloca a roupa quase que num movimento só.

— O meu marido vai me matar... Dez anos de casamento, nunca traí ele nem em pensamento... Como foi que isso aconteceu?... Que loucura!

Ao ouvir o que a polícia relata pelo interfone, ele fica cada vez mais pálido e a loira oxigenada, já com os cabelos escovados, cada vez mais agitada.

— Um minuto só, por favor, senhor.

Mão no bocal do interfone.

— Seu marido entrou não sei onde pelo computador e rastreou o seu carro, a perua, pelo satélite. Descobriu que não estava no lugar que era para estar e localizou a perua aqui no motel. Chegou à conclusão que a perua foi roubada e resolveu dar queixa na polícia.

— Ele está com essa mania agora. Passa o dia pendurado no laptop, descobrindo coisas, brincando de detetive. Eu devia ter desligado o GPS! Que burra que eu sou! Meu marido vai me matar!.. Ele sabe que eu estou aqui?

— Parece que não. Acha que a perua foi roubada e o ladrão veio para o motel... Mais um minutinho só, doutor!

— Meu marido vai me matar! Que que eu faço? Que que eu faço?

— Doutor, o senhor não pode entrar neste quarto! Vou lhe confessar uma coisa: a esposa do senhor Fulano de Tal está aqui comigo. É um caso de adultério. Isso pode prejudicar a vida dela e a carreira dele, o senhor tá me entendendo? Deixa o seu cartão na recepção, que depois eu passo na delegacia e acertamos tudo. O senhor tá me entendendo?

— Ai, o meu marido... Que que eu faço?

— Não, não é suborno, não, doutor! Imagina... Desligou!

Um minuto depois tocam a campainha.

- Vou contar até três, se não abrirem, arrombamos a porta e algemamos todo mundo! É um! É dois!...

— Que que eu faço?

Ele abre a porta do quarto para a polícia entrar, em posição de defesa, prevenido, caso seja atacado pelo vizinho traído, dois palmos mais alto do que ele. A loira magnífica vira-se de costas, já com a sua inseparável máquina fotográfica pendurada no pescoço. Os policiais e o marido adentram. Os homens da lei seguram os revólveres com as duas mãos, apontam para todos os cantos do quarto, ao melhor estilo dos filmes e das novelas da televisão aberta: polícia! polícia! mão na cabeça, vagabundo!

O marido demora um pouco para perceber que aquela loira lambida, ali de costas, é a sua esplendorosa esposa. Quando a vê, fica atônito. A loira esperta, que nunca foi burra, toma a palavra, antes que o pai das suas lindinhas dos olhos verdes abra a boca:

— Mas o que você está fazendo aqui numa hora dessas, meu bem?

— EU? Vim procurar o SUA perua roubada. E VOCÊ?

— Registrando o ocorrido, não percebeu?

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