O negócio é dormir sem medo do outro dia. (Raul Seixas)

A estrela do dia

— Tô aqui na ‘boate’, pai! Você não vem pra cá?

É o meu filho, Miguel, no celular, me chamando pra receber a sobrinha dele, que está pra chegar.

— Mas eu estou na maternidade, filho!

A muvuca é tamanha, que o Miguel encontra-se a poucos metros de mim e a gente não tinha se visto. Estamos no mesmo bar da maternidade, ao lado do berçário. Várias famílias no recinto, lotado: bisavós, avós, pais, irmãos, tios, sobrinhos, cunhados, genros, noras, primos, amigos, etc.

Mudança de lua. A maternidade está apinhada. A cada recém-nascido que chega ao berçário, todo iluminado, é aquele corre-corre. As pessoas se atropelam. Parece saída de jogo de futebol.

É o Lucas? É a Maria Clara? É a Rafaela? Vó, vem logo! Corre, pai, olha o seu neto que coisinha mais fofa! Gente, é a cara da nossa família! Dá licença, pessoal, a Pietra chegou? Olha aquele ali, que cabeludo!

São dezenas de bercinhos, de plástico, transparentes, no interior do berçário. Os bebês, com minutos de vida, estão só de fraldas. Uns dormem, como se nada tivesse acontecido. Outros choram sem parar. Aguardam o banho, para vestir a primeira roupinha. Lá dentro, as enfermeiras, pra lá e pra cá, carregam os bebezinhos com a maior destreza, como se aquilo fosse um brinquedo qualquer. Nem aí com a distinta plateia, aqui fora, no maior empurra-empurra.

— É a Marina?

Ainda não. As mesas da cantina da maternidade estão lotadas. Tem gente na fila esperando pra sentar. Ainda bem que não se pode mais fumar em recintos fechados. Só falta mesmo o cigarro pra virar boate. E o pessoal enche a cara. Mesas lotadas com garrafas de cerveja. Grupos animados contam piadas, falam alto: todo bebê tem a mesma cara de joelho, repararam? Kkkkkk! O Black Label também marca presença, em algumas mesas mais discretas. Muita gente jantando, à la carte, ou comendo pãozinho de queijo, pra enganar a fome.

Deviam fazer nas cantinas/berçários das maternidades um grande painel, igual a esses dos aeroportos, com o nome do bebê, da mãe, do pai, do médico, previsão de chegada, parto normal, cesariana, atrasado, confirmado. O pessoal ficaria mais tranquilo, tomando umas e outras, aguardando a chegada do seu ‘passageiro’.

— Olha lá a Marina!

É a Marina! Novo atropelo. Dá licença aí, meu! É a minha neta! A sorte é que colocaram a Marina logo na primeira fila dos berços, no gargarejo, bem próxima ao blindex que separa os recém-nascidos dos simples mortais. Parece uma estrela, a pequena. Todos com celulares acionados para registrar a chegada da bisneta, neta, sobrinha, prima, etc. Alguém implica com não sei quem que tava usando máquina fotográfica: ‘Assim não dá! Flash na cara da menina é muito!’

A galera da Marina não passa vergonha. Igual ou maior do que muitas que estão no local. Só de avôs, por exemplo, têm sete – os quatro verdadeiros e mais três falsos, de outros casamentos dos verdadeiros. Tempos modernos. Cada um dos avôs levou parentes. Dá pra imaginar o tamanho da turma? É só alegria!

Ainda outro dia fui pai pela quarta vez, quarto homem, e agora sou avô, pela primeira. Marina! Linda! A cara da mãe e o queixo do pai. As vezes, assim meio de lado, lembra o pai.

Em poucos minutos, milhares de pessoas já conhecem a Marina. Curtem a Marina. Bem mais que a mãe, a Cláudia, coitada, que só viu a rebenta de soslaio. Ela ainda está no centro cirúrgico, por conta dos finalmentes do parto. Junto com o pai, o João, meu primogênito, nascido prematuro, que ficou lá pra dar uma força. As fotos são passadas imediatamente para outros parentes e amigos, que logo se encarregam de colocar nos facebooks da vida.

Aos poucos os familiares vão embora. Abraços apertados. Beijos. Sorrisos de orelha a orelha. Lágrimas.

Marina, a estrela do dia, brilha mais uma vez: toma seu primeiro banho, filmado por uma funcionária da maternidade. Vestem a primeira roupinha nela, que estrila. Sensação estranha, deve ter sentido.

Levam a Marina para o quarto. Cláudia e João já estão lá, ansiosos. A enfermeira coloca a princesa no colo da mãe.

— Ai, filha, estava louca pra te ver...

Fui um dos últimos a ir embora. Fiz questão. Queria tocar na minha neta, pegar ela no colo. Depois de quatro filhos homens, chegou a minha vez de sentir o cheirinho de uma mulher. Quanta emoção!

Viva Marina!

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Leonel Prata

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