O negócio é dormir sem medo do outro dia. (Raul Seixas)

Na esquina

Quase deu pra avançar o sinal, mas com esses radares espalhados pela cidade, melhor não arriscar. Hora do rush, final de tarde, lusco-fusco...

Abro o vidro pra ‘respirar’. Meu carro está na fila da esquerda, bem próximo à calçada. Na calçada, a morena. Mulata! Alta. Chega fácil nos 1,90m, se considerarmos as multicoloridas sandálias de plataformas. Unhas dos pés compridas, pintadas de branco e coloridas com pontinhos amarelos, como se formassem margaridinhas. Nas extremidades das unhas, uma pincelada de esmalte mais claro, dando a impressão de que as unhas estão ainda mais compridas. Descobri que esse ‘efeito’, que virou mania nacional, chama-se ‘francesinha’. Um charme. Ela usa calças jeans cinza, bem apertadas. Apertadíssimas, para realçar ainda mais a região posterior. Blusa estampada, tomara-que-caia. Seios fartos, naturais. Piercing no umbigo de fora. Cabelos longos, meio pro ruivo. Chapinha?

A mulata fala ao celular, observando sua imagem refletida na parede de vidro do bar da esquina. Bela retaguarda. Lá dentro, dois jovens tomam cerveja no balcão, de olhos pra fora, pra ela. Ela faz poses, ajeita os cabelos, que combinam com a blusa, como se estivesse em frente a um espelho gigante. Vira-se. Dá de cara comigo. Fico meio sem jeito. Bonitona. Ignora minha presença, a um metro de distância dela. Está ligada no celular.

— Ranram... Ranram... Ranram... Então, deixa eu te falar pra você!

Vira-se de costas pra mim, arrebita a bunda pro lado, sem sair do lugar. Volta a se olhar no vidro do bar. Fala sem parar, não consigo entender nada. Os jovens estão feito dois idiotas, babando pela mulata. Ela parece nervosa.

— Suspende as frita! O filé já chegou! – diz um deles, levantando o copo cheio de cerveja, derrubando quase tudo no chão.

A mulata nem aí, como se não fosse com ela.

— Nossa... quanta carne, véio! E eu lá em casa comendo ovo... – emenda o outro.

Ela gira o corpo, esvoaça os cabelos soltos ao vento. Está de frente pra mim. Lábios carnudos, vermelhos. Disfarço, olho o retrovisor. O garotão de óculos escuros do carro de trás abaixa o vidro, acende um cigarro.

— Ranram... Ranram... Ranram... Então, deixa eu te falar pra você!

Ela passa a outra mão nos cabelos, jogando-os para o lado. Abaixa um pouco a blusa, realça o decote, rebola prum lado, vira-se novamente de costas pra mim. O que que é isso, minha gente? Fala. Fala. Fala. Está bem nervosa. Os jovens da cerveja, são só alegria.

— Tu que é a mentira? Porque é boa demais pra ser verdade!

Ela vira-se de costas pros jovens; de frente pra nós (eu e o dos óculos escuros). Está agitada, não deixa o outro (namorado? marido? amante?) ou a outra (mãe? irmã? colega?) falar.

— Ranram... Ranram... Ranram... Então, deixa eu te falar pra você!

O dos óculos dá uma tragada, coloca o braço esquerdo pra fora do carro, solta fumaça na direção dela.

— Ei, psiu! Quando for atravessar a rua, não precisa olhar pros dois lados. Você é de parar o trânsito, tá ligada?

Ela vira-se pro bar. Ajeita o tomara-que-caia na frente do ‘espelho’. Continua falando sem parar, cada vez mais agitada.

— Então, gata! Você não é vagalume, mas a sua bunda ilumina a minha vida! – filosofa um dos jovens, visivelmente alterado, fechando os olhos, batendo a mão no balcão.

A mulata faz meia volta, fica de frente pra rua. Sinal amarelo. Tá puta da vida.

— Vai você, seu filho de uma...! – Ela se toca que está na esquina, desliga o celular. As unhas das mãos são igualmente grandes, brancas, francesinhas. Joga o aparelho dentro da bolsa de couro vermelho e vai embora, batendo a plataforma multicolorida no chão.

Resolvo participar da brincadeira:

— Você não é pretérito, mas é mais que perfeita!

A mulata, já dobrando a esquina, rebolando freneticamente, sem olhar pra trás, levanta o braço esquerdo, faz uma argola com os dedos:

— Vê se te enxerga, tiozinho!

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