O negócio é dormir sem medo do outro dia. (Raul Seixas)

E o bilau, Bilão?

O ano é 1965. O glorioso Clube Atlético Linense – o CAL, o Elefante da Noroeste –, na terceira divisão do campeonato paulista de futebol, vai inaugurar os refletores de seu novo estádio. Lins jamais vira um jogo noturno. A diretoria sonha alto. Um acontecimento de tamanha importância para o município e região merece pompas e circunstâncias: o time convidado para o grande evento é nada menos do que a Sociedade Esportiva Palmeiras, da capital.

Ou é o Santos, de Pelé, ou o Palmeiras, de Ademir da Guia. Como o Santos vive se exibindo no exterior, a bola da vez é o Parmera. Para a alegria geral, o alviverde esmeraldino aceita o convite para se apresentar aos linenses no sábado à noite.

O sonho da criançada é entrar no campo com os jogadores, como mascotes, para ver de perto ou até tocar em seus ídolos. Lá estarão Waldir; Djalma Santos, Djalma Dias, Waldemar Carabina, Ferrari; Dudu, Ademir da Guia; Germano, Ademar Pantera, Servílio e Rinaldo; a lendária ‘Academia’. Do tempo em que jogador de futebol suava e honrava a camisa e permanecia no clube por muitos e muitos anos.

Eu e os meus amigos chegamos atrasados para o sorteio dos meninos que seriam os mascotes do CAL. Tivemos que contentar-nos em ver o jogo do alambrado, ali, pertinho dos craques. Pelo menos dava para delirar com os palavrões que eles falavam e contar as vezes que cuspiam no chamado tapete verde. Jogador de futebol mais ‘gospe’ do que joga, descobrimos ainda crianças.

Um cunhado de um dos nossos amigos – bem mais velho do que nós –, advogado, palmeirense roxo, conseguiu que seu filho Bilo – bem mais novo do que nós – entrasse em campo com os jogadores do Palmeiras. Bilo devia ter uns nove anos de idade. Gorduchinho, bonitinho, tímido. Por ele, não estaria lá sob a luz dos refletores e o olhar de milhares de atleticanos (assim é chamada a torcida do CAL), com aquele uniforme apertado de jogador de futebol mirim do grande Palmeiras. Como o pai era fanático e não tinha como ficar tão perto de seus ídolos, passou a bola para o primogênito envergonhado.

Bilo, o único mascote de verde, entrou em campo meio sem jeito, perdido no meio daquelas pernas compridas. E o pai ainda fez questão que ele posasse na tradicional foto da equipe , para a inveja de todos nós (até eu, que sempre fui corintiano, tá ligado, mano?). O jogo começou e o Bilo desapareceu no vestiário dos visitantes.

No dia seguinte, estávamos todos no banco da praça em frente à igreja, quando aparece o Bilo, saindo da missa das dez com os pais. Acenamos para ele e ele se aproximou todo feliz, porque gostava de ficar perto de nós, maiores do que ele.

— E aí, Bilo, que tamanho é o bilau do Rinaldo?

Rinaldo era o ponta-esquerda do Palmeiras, o número 11. Jogava aberto, corria pela lateral do campo, bem próximo da gente. Foi justamente com esse jogador de chute forte, que resolvemos pegar no pé do moleque.

Bilo começou a chorar e saiu correndo dali, para juntar-se aos pais que já iam mais à frente, sem nada perceber.

Alguns dias depois, reencontramos o Bilo, agora na sede de esportes do clube da sociedade local, onde a gente ia jogar bola e conversa fora.

— E aí, Bilo, que tamanho é o bilau do Rinaldo?

Desta vez ele não chorou. A resposta estava na ponta da língua:

- Meu pai mandou perguntar pra tua mãe!

E saiu correndo, com aquelas pernas roliças e brancas sobrando nas calças curtas que as crianças de então usavam.

Depois disso, todas as vezes que o Bilo tentava se aproximar, era sempre a mesma pergunta. Contrariado, ele passou a nos evitar.

Mudei-me para São Paulo. Nunca mais vi o Bilo.

Outro dia, mais de quarenta anos depois, resolvemos juntar a mesma turma de infância em uma churrascaria da capital. Quase todos vieram. E quem estava lá, em uma outra mesa, de terno de risca, rodeado por outros engravatados? O Bilo. Bilão! Alto, forte, saudável, cabelos ralos, bigode farto. Muito simpático. Feliz por nos reencontrar.

— E aí, Bilão, que tamanho é o bilau do Rinaldo?

Respeitado Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado, Bilão apenas sorriu:

— Não lembro!

Contact

Leonel Prata

mgproded@gmail.com

Search site

© 2011 All rights reserved.

Make a free websiteWebnode