O negócio é dormir sem medo do outro dia. (Raul Seixas)

Concessões

Quando começaram as concessões nas rodovias brasileiras, ele resmungou: ‘Já vi tudo. Não tenho saco pra parar em pedágio. Vou mudar de profissão’.

Motorista de caminhão há mais de 30 anos, ele é daqueles que sai cedo da garagem, pega a estrada, e vai direto para o destino da carga. Sem parar. Bem, só para para (coisas do vernáculo, bródi) abastecer e fazer xixi. Come na cabine mesmo. Sanduiche de mortadela e queijo, frios, preparado pela esposa, e coca-cola em lata, pra tirar o sono. Tudo guardado no isoporzinho, amarelado. Foi trabalhando dessa maneira, que se tornou o funcionário do mês da transportadora.

Assim que iniciaram a cobrança dos pedágios nas estradas, ele pediu demissão do trabalho: ‘Só de ida e de vorta, até perdi as conta de quantas parada; tô fora, não agüento mais ver pedágio pela frente’.

O patrão solicitou mais uns dias para ele treinar um outro caminhoneiro para o seu lugar. Foi nesse período tudo mudou na sua vida.

As concessionárias, percebendo que não estavam agradando com tantos pedágios, resolveram, aos poucos, introduzir a figura da mulher nas cabines. As cabineiras. O ‘marketing’ deu certo.

Ele, pelo menos, parou de resmungar, cada vez que truncava suas viagens para pagar pedágio. Até esqueceu o pedido de demissão. Tudo por causa da moça do Km 97, a do esmalte verde, que ele andava de olho havia algumas viagens. Quando foi pegar o troco, roçou, levemente, sua mão esquerda na mão direita dela, por baixo, sem querer. Olhos fixos nas unhas coloridas. Arrepiou até o último fio de cabelo, com o contato.

Gostou da idéia. Próximo pedágio, a moreninha das unhas compridas, brancas, cortadas quadradinhas nas pontas, preparava o troco. Nunca havia reparado nela. Roçou sua mão na mão dela, desta vez, por querer. O toque foi um pouco mais demorado, porque o troco era em moedas.

A partir desse dia, ele começou a olhar com outros olhos para dentro das cabines. Tempos atrás, nos primeiros e poucos pedágios que existiam, nem reparava. Dava a grana, pegava o troco, e ‘vazava’. Percebeu que a maioria das cabineiras de agora estão produzidas, cabelos bem cortados, penteados, algumas até maquiadas, batom combinando com o uniforme – camisetas apertadas, com o logotipo da concessionária na altura do seio esquerdo. Algumas nem sutiã usam. Nunca soube como lidar com elas nem o quê falar.

Ele passou a roçar sua mão nas mãos de todas as cabineiras que encontrava pela frente. Na ida e na volta. Sempre discreto, sem dar bandeira. Só ele sabia o prazer que sentia ao tocar, ainda que de leve, naquelas peles femininas, nos sem-números de pedágios que encontrava durante a viagem.

Quando a cabine era ocupada por homens, ele combinou com ele mesmo: não encostar na mão do cabineiro, em hipótese alguma. Nem que o troco fosse em moedas de cinco centavos. Por duas vezes, deixou o dinheiro cair no chão, fora da cabine. Sem graça, atrasou a fila do pedágio, mas manteve sua atitude de não relar nos dedos daqueles elementos.

Desenvolveu uma técnica toda especial para com as mulheres das estradas. Para cada tipo de mão, e unhas, a ‘pegada’ era diferente. As que roíam as unhas, ele recebia o troco, e arrancava o caminhão, rapidamente, mas sem nunca deixar de roçar, levemente, seus dedos nas mãos da profissional. Unhas curtas, sem esmalte, o toque era natural. Com esmalte colorido (gostava mais do vermelho), já era um pouco mais demorado, o tempo suficiente para ela não perceber suas intenções. Engatava a primeira e saía rápido. Unhas brancas, aquelas tais cortadas quadradinhas, que ele tinha uma fixação toda especial, apertava a mão da moça, bem de leve, e olhava para os olhos dela. Saía devagar, depois da piscadela com o olho direito.

Unhas pintadas com florzinhas, ou então com as extremidades pinceladas, daquele jeito que simula que as unhas estão grandes, deixava ele louco. Para essas, e somente para essas, ele recorria ao cofrinho debaixo do assento. Acertava o pedágio com moedas. Descobriu que o toque na mão da moça podia ser, também, por cima, quando pagava. Passava o ‘pai de todos’, discretamente, na palma da mão da moça, e recebia o troco, com todos os dedos, na parte de baixo. Tudo sem ela perceber. Se estivesse perfumada, não lavava as mãos por vários dias.

Gostava mais de usar a mão esquerda, deixando a direita livre, para a necessidade de um apoio maior, quando os trocos vinham em muitas moedas. Aí, fazia um ‘sanduiche’ com a mão da cobradora, e tirava as suas, bem devagarinho, ‘para não cair o dinheiro’.

Com o tempo, já sabia quem era quem nas trocentas e tantas cabines da estrada, dos intermináveis pedágios. Até pediu mais viagens para o patrão. Ficou amigo das cabineiras, mesmo sem trocar um único diálogo com elas. Só o muito obrigado, o sorriso sedutor, e o prazer de tocar em todas as mãos femininas da autopista, eram suficientes.

Pelos bons serviços prestados e pela dedicação à transportadora, foi designado chefe da frota, responsável pelo treinamento dos novos companheiros. Agora, nas viagens, ele sentava-se ao lado, no lugar do carona, para ensinar os segredos das estradas para os que estavam começando. Nunca se esqueceu das mãos das mulheres dos pedágios. Conhecia todas, de cor e salteado. Bastava ver pegando o dinheiro, que sabia exatamente quem era. Quando aparecia uma mão estranha, ele esticava o pescoço, para constatar quem era a nova cabineira da concessionária. E quando alguma das suas conhecidas mãos estava com as unhas sem esmalte, ou mal-tratadas, ele apressava o condutor: vamos, vamos!

Com um de seus alunos, o mais tímido; portanto, o mais discreto, o que certamente não abriria o bico para seus colegas de frota a respeito de seu fetiche, ele resolveu revelar sua ‘técnica’. O rapaz, sem jeito, sem entender direito, topou a brincadeira. Ele determinou que a ‘aula’ começaria com a cabineira do Km 350, a da mão mais bonita da estrada, segundo seus critérios. Explicou direitinho como proceder o toque, e recomendou, mais de uma vez, para tomar cuidado para a moça não perceber o ‘contato’. Só isso. Pararam o caminhão no pedágio. O rapaz pagou e pegou o troco, em muitas moedas.

— Que é isso, garoto, não pegou na mão da moça?

O jovem candidato a motorista profissional, todo envergonhado, mal conseguiu falar.

— Eu não! Ela é casada...

Algum tempo depois, com a nova equipe treinada, ele retoma o volante do seu velho caminhão. Volta para as mãos das suas cabineiras.

O patrão resolve adotar o Sem parar para a frota. Pede a opinião dele.

Sem parar? O senhor quer saber a minha opinião? Esquece isso daí.

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Leonel Prata

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