O negócio é dormir sem medo do outro dia. (Raul Seixas)

Tempos modernos

Recebo, todo dia, dezenas de mensagens com conteúdo erótico, no computador. As que vêm com o assunto ‘Diretoria’ são as melhores; também já apareceram ‘Loirinha tímida, mas corajosa’, ‘Carinha de safada’, ‘Tudo original’, ‘Se der tempo, olha a cor dos olhos dela’, ‘Zero bala’, ‘Ninfa diabólica’, ‘Apertadinha, mas aguenta o rojão’ ‘Japinha corajosa’, ‘Amaciando o anel’, ’Amortecedor de Scania’, entre outras. Tudo mulherão. As que circulam nos e-mails e nos sites de sexo são maquiadas, photoshopadas, tratadas, editadas. Lindas, maravilhosas. Sem contar os filminhos com afro-descendentes liberando a natureza viva. É de humilhar qualquer um.

Pra mim, perdeu a graça. Não olho mais. Gosto mesmo é da criatividade dos títulos do assunto.

Fico imaginando: o que será que essa molecada (a maioria longe da maioridade), que navega livremente pela internet entre dezenas de sites pornográficos, com a destreza que nenhum adulto consegue, faz trancada no quarto? Outro dia, por exemplo, um amigo meu viu no laptop do filho de 11 (onze) anos, a busca por ‘teta de mulher’.

E tem para todo gosto: homem com mulher e mulher com homem nas mais variadas posições e closes, homi com homi, muié com muié, faca sem dente, galinha sem pé. Tem até com animais e com objetos dos mais esdrúxulos. Tá tudo liberado. Explícito!

Pra mim, chega! Sou do tempo do sexo implícito. Tem muito mais graça.

Já contribuí para a indústria do sexo, quando editei, por alguns anos (há muitos anos), as chamadas ‘revistas masculinas’, ou seja, de mulher pelada.

Naquele tempo (ditadura militar), tínhamos de mandar para Brasília (censura) as provas de fotolito das páginas com mulheres. Voltavam de lá com carimbo em quase todas elas: tarja preta, tarja preta, tarja preta. Pelos pubianos femininos? Tarja preta! E quem censurava era uma mulher, já senhora (pelo menos para nós, em início de carreira – devia ter uns 40), muito simpática ao telefone, quando ‘negociávamos’ apenas um tiquinho de penugem. E ela nunca liberou.

Com o passar dos anos, e as mudanças de governo, a coisa começou a abrandar. Fomos – os editores de revistas masculinas do Brasil – chamados à Brasília para conversar com o chefão da censura.

— A partir de agora, senhores, está liberado o pelo pubiano, mas com moderação. Não pode, em hipótese alguma, pessoas do mesmo sexo juntas (leia-se mulheres) nem homossexuais (leia-se homens). Também é proibido mostrar a genitália masculina. As publicações devem ser plastificadas e os dizeres ‘Proibido para menores de 18 anos’ na capa, bem visível. Estamos conversados? Muito obrigado!

O chefão da censura, perfumado, disse isso, nos passou uma folha de papel com as ‘instruções’ e retirou-se deixando o olor do Lancaster no ar. Durou menos de quinze minutos a reunião. Conheci Brasília, fiquei no melhor hotel da cidade, com direito a caipirinha na beira da piscina. Tudo por conta da Censura. E voltei para a redação, cheio das ideias.

Logo de cara, fizemos uma revista com uma bunda (em close) na capa. No miolo, dezenas de mulheres em nu frontal, apresentando os mais variados tipos de pelos pubianos. Até então, nunca, na história deste país, alguma publicação ousou tanto. Jamais um brasileiro vira tanta variedade desse detalhe feminino tão escondido, cobiçado e censurado. Vendeu 300 mil exemplares em um dia! Houve reimpressão. Puta (já que fomos liberados pela censura) sucesso!

Chegamos a fazer vinte e oito revistas por mês com conteúdo erótico, quase que uma por dia, com os títulos mais diversos. Era só mulher pelada e cartum de humor de sexo (deixo registrado que vários renomados cartunistas brasileiros começaram aqui). Mas era tudo comportado, sempre com o ‘Proibido para menores de 18 anos’ bem visível na capa, como ditava a cartilha do cheiroso.

Não pense que a censura nos deu as costas e fechou os olhos. Qualquer deslize, eles pegavam no pé. Teve uma edição do mês de setembro, de uma das revistas que fazíamos, que colocamos na capa uma loira peituda (importada; a maioria das fotos – em slides – vinha de agências internacionais, quase não se faziam produções brasileiras) segurando uma espada com a inscrição ‘Independência ou Morte!’ No miolo, mais fotos da loira e o texto: ‘Elvira do Ipiranga, nascida às margens plácidas, em teus seios mais amores...’ Pra quê? A polícia federal baixou na editora atrás do autor da ‘reportagem’, um tal Pedro Orleans (pseudônimo, lógico). Tranquei-me no banheiro e só saí de lá quando os homens se retiraram. Tive de me apresentar no dia seguinte à sede da PF em SP, com TV e jornalistas na porta. Mas isso é uma outra história. Recolheram a Elvira do Ipiranga das bancas.

Éramos ameaçados pelo telefone: “Ou param de publicar essas baixarias ou vamos colocar uma carga aí nessa pocilga!” Muitos se lembram dos tempos em que colocavam bombas nas bancas, por causa das revistas de mulher pelada. Pessoal da extrema-direita, diziam.

Quando o bombardeio diminuiu, criamos a fotonovela erótica brasileira, contando com a participação das novas estrelas do cinema nacional: as atrizes das pornochanchadas – filmes com apelo erótico, que viraram moda no início dos anos 1980. Eram historinhas bobas de amor, um triângulo amoroso, cenas de sexo implícito. Nada de genitália masculina, como ordenara o homem do perfume Lancaster. Produzíamos uma revistinha (formato Pato Donald) por semana. Sucesso total.

Por outro lado, respondíamos a dezenas de processos de entidades que não aceitavam essa ‘liberação’ toda – tínhamos que ir até a delegacia de polícia mais próxima ‘tocar piano’ e explicar o por quê daquela ‘pouca vergonha’. A associação das massagistas não-sei-das-quantas meteu processo por causa da fotonovela ‘As massagistas’, ambientada em uma das centenas de casa desse tipo que proliferaram em São Paulo, na época; o sindicato das enfermeiras de não-sei-onde não admitiu quando denunciamos (tudo verdade) prostituição de enfermeiras em hospitais do Rio de Janeiro.

A censura não vinha só de Brasília, vinha, também, e, principalmente, da própria sociedade. Tudo em nome da moral e dos bons costumes.

Os tempos mudaram. Chegou a modernidade. Perdeu a graça. Tá tudo liberado. Explícito! Nem pelo pubiano tem mais...

Fico imaginando: será que essa molecada corre atrás das siliconadas, com corpão de photoshop, quando sai do quarto? E o que acontece quando ‘ficam’ com as garotas de carne e osso?

Como é que fica essa libido globalizada sem censura?

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Leonel Prata

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