— Você é nova no estúdio?
— Sou, sim. Maria do Carmo. Ducarmo!
— Muito prazer!
— Vai cortar com o Wanderley, né?
— Vou!
— Então, pode sentar aqui, que eu vou te lavar o seu cabelo.
— Aqui?
— Shampoo?
— Pode ser. Lógico, shampoo! Nunca te vi no estúdio...
— Deixa eu te falar: fiz teste pra cabeleireira e comecei como lavadeira, fazem duas semanas.
— Teste?
— Então, o Wanderley fez teste pra arrumar gente pra trabalhar aqui no salão e eu fui aprovada. Só eu e mais uma outra, a Lurdinha, aquela ali, ó, a moreninha de branco, uma garota muito esperta. Conseguimos! Tinha mais de 200 pessoas, de tudo quanto é lugar. Até do Acre tinha um candidato. Chorou tanto quando não foi escolhido, coitadinho...
— Acontece... Parabéns! E como foi o teste?
— Tinha que lavar, escorrer e depois cortar. Tudo muito rápido. Só isso.
— E você não ficou nervosa?
— Magina.
— E quando é que você vai começar a cortar?
— Deixa eu te falar: leva uma base de três a seis meses. Não gosto muito de lavar, não. Sou boa é pra cortar e tingir. Outro dia veio aqui a Gisela Bitchi (Gisele Büntchen). Linda ela, né? Cá entre nós, pernas muito fininhas pro meu gosto. Dois cambitos... Mas tem o colo bonito, reparou? Então, a Gisela Bitchi, Bitchi que fala, né?, nunca sei... aquela artista brasileira famosa, das capas de revista, veio aqui cortar com o Wanderley. Lavei o cabelo dela e ainda dei uma sugestão de luzes, que ela adorou e pediu pro Wanderley fazer. Muito simpática ela. Simples, precisa ver. Calça de jeans rasgada assim na coxa... acho ridículo isso, mas é a última moda... Sandálias havaianas...
— O Wanderley fez o que você sugeriu?
— Mais ou menos. Ele tem o jeito dele de cortar e pentear, né? Ficou da cor que eu imaginava. Ela ficou mais linda ainda, se é que isso é possível. Que cabelo bonito da Gisela. Que rosto! Que pele! O que que é aquilo, gente?
— É, ela tem um rosto muito bonito.
— Sou boa mesmo é de corte e tintura... Eu que sugeri pro Wanderley cortar o cabelo do Jô Soares bem curtinho e deixar o branco natural. Não ficou melhor? O Wanderley tem uma coisa de bom: se você dá um palpite e ele acha que pode ficar bacana, ele faz. Do jeito dele, mas faz. O Wanderley é muito humano, sabia?
— É...
— Pronto! Cabelos limpos e cheirosos. Agora, senta ali naquela cadeira e espera o Wanderley te chamar.
*
— Émerson Fittipaldi!
— Wanderley!
— Ganhou Indianápolis! Tá me devendo um corte dentro do cockpit. Lembra da aposta?
— Lógico! Na próxima corrida, você vai. E com televisão!
— O que que é isso aí, Émerson?
— Isso aqui é uma tintura que eu trouxe de Miami, Wanderley. É top de linha. Usa essa. Pode pintar até a costeleta. Parece natural. Tem gente que faz barba e cabelo com ela.
— Ducarmo, lava o Émerson!
— Pode deixar, Wanderley!... O senhor pode sentar aqui.
— Obrigado!
— Como é mesmo o seu nome?
— Émerson.
— Cléverson?
— ÉMERSON!
— Desculpa. Senta aqui, seu... Merson.
— Obrigado.
— Tintura americana, essa daí?
— É. Última moda nos Estados Unidos. Lançamento. Um espetáculo!
— Essas coisa de americano... Posso dar uma olhadinha?
— Lógico!
— Marrom?
— Castanho-claro.
— Pra mim isso não é castanho nem aqui nem na China.
— Tá escrito aí.
— E eu entendo?
— Pode confiar. Vi uma pessoa que usou essa tintura, dessa cor, ficou muito bom.
— Prontinho! Agora, senta ali naquela na cadeira e espera o Wanderley te chamar.
— Obrigado!
*
— Ducarmo, sua idiota!
— Mas o que foi que aconteceu, Lurdinha? Fiz alguma coisa errada?
— Sabe quem é esse cara que você acabou de lavar o cabelo?
— Esse branquelo que vai tingir com o Wanderley? Muito educado... O que que tem ele?
— Esse aí é o Émerson Fittipaldi!
— ???
— O cara é simplesmente campeão mundial da Fórmula 1, campeão da Fórmula Indy, campeão de tudo quanto é corrida. Você não se ligou que o salão inteiro ficou agitado com a chegada do Émerson Fittipaldi?
— É... vi que tava um zum zum zum, mas como eu podia imaginar que esse Cléverson...
— Esse Émerson é o maior corredor brasileiro de todos os tempos, sua animal! Não fosse ele, não teria Nelson Piquet, Ayrton Senna... não teria ninguém, sua burra! O cara é o melhor do mundo. Só isso.
—Com essa vozinha de taquara rachada? Eu, hein!