"O importante não é vencer, mas competir. E com dignidade." Esse era o lema do educador francês Pierre de Frédy (1863-1937), mais conhecido como Barão de Coubertin, o cara que ‘inventou’ os Jogos Olímpicos da era moderna. A máxima do barão já era. O importante é ganhar. E de qualquer jeito!
O renomado economista, Luiz Gonzaga Belluzzo, 67, numa atitude natural e emocionada, está sendo crucificado pela mídia esportiva por ter declarado que vai dar uma porrada no juiz que roubou um gol do Palmeiras, o clube do qual é presidente, contra o Fluminense, na semana passada. Gol este que poderia aproximar seu time do coração ao título do Campeonato Brasileiro de 2009. “Se o tivesse encontrado estaria agarrado com ele, e não o estaria beijando”, declarou na tevê. Dizem que sua imagem foi ‘arranhada’.
Quem vive o esporte vibra de um jeito diferente, sempre com a emoção à flor da pele. Não importa idade, credo, profissão, estado civil. E os mais fervorosos partem pra porrada mesmo. É pura paixão.
Jogo basquete, religiosamente, todos os finais de semana, no glorioso Esporte Clube Pinheiros, junto com os chamados veteranos. Eu, cinco-ponto-oito recém-cumpridos, sou um dos mais jovens da turma. A média é de meia-ponto-cinco. Tem até companheiro com 80 (na verdade oito-ponto-dois, mas coloco 80 pra arredondar a frase), corpinho de 60, mentalidade de 20, por seu espírito permanentemente jovem.
Entre os atletas, aparecem de tudo: médicos, dentistas, engenheiros, advogados, empresários e executivos de grandes empresas, entre outros.
A ‘briga’ começa no par ou ímpar para escolher os times, geralmente tirado por dois jogadores que se equivalem tecnicamente. Primeiro, ninguém quer escolher. Depois, os que não querem escolher, ficam ao lado de quem estão escolhendo, dando palpites. E ainda reclamam que o seu time ficou mais fraco porque fulano não sabe escolher. É a primeira ameaça de porrada. “Então, vamos mexer umas peças”, diz um lá. “Mexer coisa nenhuma! Não foi escolhido assim?”, grita outro que caiu no time teoricamente melhor. Meia-hora de discussão, antes de começar o jogo.
Os times ficam supostamente equilibrados para o primeiro racha do dia. Nisso, novos companheiros chegam atrasados e aguardam no banco para a próxima partida (o time que leva 5 cestas primeiro sai da quadra para dar lugar aos que aguardam sentados). E, conforme os que estão de fora, os que estão de dentro já começam a discutir: “Na próxima, vamos ter de mudar um ou outro, olha o time que tá lá fora, só tem chutador...” Isso tudo com medo de perder e ter de esperar no banco para uma nova rodada. É a paixão por jogar, por vencer de qualquer jeito. O importante é ganhar e continuar competindo. “Esse time que vai entrar não sai mais, se a gente não mexer...” Outra briga para ver como vão ficar os times do segundo jogo do dia.
Dentro da quadra, o bicho pega pra valer. Têm os mais chatos, os que reclamam o tempo todo, os que param o racha em qualquer lance. ‘Foi falta!’ ‘Não foi falta!’ ‘Foi falta, sim senhor!’ O jogo é paralisado. Nenhum dos lados cede. Mesmo que não tenha cometido a falta, o ‘infrator’ não dá o braço a torcer: “Não dou a bola! Esse f.d.p. fez a mesma coisa na semana passada, pediu uma falta que não foi e não devolveu a bola. Não devolvo nem f...” E não devolve mesmo! Isso quando não saem na porrada. Por nada, pensando com a cabeça fria, longe do calor da competição. Mais meia-hora de brigas.
Têm os que se fazem de vítima, os escandalosos, aqueles que bastam ser encostados de leve para se atirar no chão, gritando e gemendo de dor. Um desses, já com sete-ponto-zero completos, é o mais chorão. E todos os outros sabem que ele está fingindo e nem ligam. Outro dia, ele estava caído porque levou um empurrãozinho de leve de um adversário, meia-ponto-nove, casca-grossa. Começaram a se ofender, seu isso, seu aquilo. O agressor apelou feio: “Sua mãe tá na zona, seu safado, vá pra p.q.p!”, daí pra baixo. O setentão caído no chão, nem aí com os xingamentos pesados do oponente. Um outro, o mais velho de todos, o oito-ponto-dois, até então só ouvindo passivamente aquele diálogo, disse apenas: ‘É fita’. Pra quê? O septuagenário ‘sarou’ na hora da sua ‘grave contusão’ e partiu para cima do octogenário: “O que você disse, seu velho f.d.p. de uma figa?!” Pura paixão. Ser chamado de tudo quanto é nome, pode, agora, de fiteiro, não!
Também tem os light, os que vão lá para se divertir.
Certa vez, um jogador meia-ponto-zero revelou para um companheiro adversário, meia-ponto-nove, durante o jogo, com a bola em movimento (enquanto um marcava o outro), a aventura amorosa que tivera com uma manicure naquela mesma manhã, antes de ir jogar, depois da missa. E contou detalhes do affair, sempre com a bola em jogo.
Têm os que abandonam a equipe no meio do racha, porque algum companheiro pentelho do mesmo time está reclamando muito. “Não jogo mais ao lado desse mau-caráter!” Pega sua mochila e vai embora resmungando, como um garoto um-ponto-um.
Outro final de semana, o racha começou mais tarde porque era dia da vacina contra gripe para idosos. Todos foram lá. De graça, até injeção na veia. Um dos atletas, bem mais jovem, cinco-ponto-seis, basqueteiro bem-humorado, avisa: “o pessoal tá atrasado porque ao lado da vacinação da gripe, tem a contra raiva. Tá a maior fila”.
Depois das brigas e discussões durante toda a manhã, acaba o racha. ‘Mortos & feridos’ pegam suas mochilas e vão tomar cerveja juntos, como se nada tivesse acontecido. Semana que vem tem mais.
Apesar de corintiano, imagino o que se passa na cabeça do exemplo de serenidade e equilíbrio emocional – longe das emoções do esporte, lógico –, o palmeirense Belluzzo. Esquenta não com a opinião pública, presidente, toma uma gelada. Semana que vem tem mais.