I
— Ah, não! Ainda mais com o seu cunhado?
— É o aniversário da minha irmã, meu amor. O que que eu posso fazer? Vai ter churrasco, ela chamou uns casais e nos convidou. Vai ser divertido.
— Seu cunhado é muito chato. Só fala de trabalho, crise econômica, notícia de jornal. Não tenho saco. E hoje tem jogo do Brasil, tá sabendo? Não percebeu o movimento na cidade?
— Lógico que eu sei! Melhor ainda, meu amor, vamos assistir o jogo da seleção lá na minha irmã. Todo mundo junto. Vai ser a maior farra! Até já comprei esse topezinho verde pra combinar com o shortinho azul. Olha só.
— Você se acanha. Virou adolescente de uma hora pra outra?
— Me ajuda dar o nó aqui atrás.
— Quer saber? Pode ir. E troca essa roupa ridícula.
— Quantas vezes eu fui visitar a sua mãe contra a minha vontade? Quantas? Sua mãe nunca foi com a minha cara, aquela velha arrelienta... Lembra no Natal...
— Não começa não! O assunto não é esse. Hoje tem jogo do Brasil e eu gosto de assistir a seleção na Copa, na sala, tá me entendendo? Sozinho, de preferência. Ou melhor: com dois ou três chegados, no máximo, que gostem de assistir futebol na televisão, como eu: em silêncio.
— E tomando cerveja e arrotando o tempo todo. E soltando umas bufas, de vez em sempre. Bando de porcos, isso sim!
— Mas sem ninguém por perto pra encher o saco. Gosto de ouvir o locutor, o comentarista, os repórteres, de ver o colorido da torcida, trocar de canal de vez em quando, saber quem entrou no lugar de quem. Quero ver e ouvir o jogo, tá me entendendo? Vai indo que eu não vou.
— Você vai sim! É aniversário da minha única irmã, madrinha do nosso único filho. Levanta daí, vamos! E faz essa barba. Ânimo!
II
— Você vê, a indústria cimenteira cresceu vertiginosamente nesses dois últimos anos, pós-crise. Não estão dando conta da demanda. É muita obra, meu caro. O mercado nunca esteve tão aquecido. As bolsas do mundo inteiro andam nervosas.
— É...
— Meu amor, vem aqui que eu vou te apresentar uma amiga minha de infância. É mãe daqueles gêmeos ali, de cabelos franjinha, com o uniforme da seleção. Olha só. Veja que gracinhas esses meninos.
— Eu quero ir embora dessa porra dessa festa. Percebeu o estilo dos caras, os maridinhos das amiguinhas da sua irmãzinha? Tudo de bermuda bege e mocassim sem meia. Só conversam de dinheiro e viagem para o exterior. Comem mortadela e arrotam caviar.
— Mas bem que você está gostando do movimento. Já tomou três caipirinhas. Pensa que eu não estou te enxergando? Viu só o tamanho do telão que colocaram do lado da churrasqueira, que beleza?
— É 5 a 0 pro Brasil, galera! Uhu!
— O Kaká vai jogar?
— E essa mulherada histérica com Copa do Mundo? Tudo de verde e amarelo. Até as unhas elas pintam de verde e amarelo. Não suporto mulher que nunca ligou pra futebol, colocar as perninhas de fora na Copa do Mundo. E querem ter razão. Acham que entendem. Toda Copa é isso.
— Larga mão de ser machista, meu amor. Está bem divertida esta festa. E para de olhar pra bunda da sobrinha do meu cunhado. Ela tem idade pra ser sua filha. Tou de olho em você!
III
— Pessoal, os times já entraram em campo!
— Brasil e quem?
— O Brasil é o de amarelo.
— Eu gosto mesmo é de ver os jogadores perfilados na hora do hino. É a melhor parte. Dão close em todos.
— Também acho. Gosto de ver á a seleção da Itália. Só tem homem lindo, já reparou? O que que é aquilo?
— Também gostei da Dinamarca, não sei se você chegou a ver. Tem um loirão lá...
— Olha o Brasil... Só o Kaká é bonitinho. Cada um mais feio que o outro. Cruz credo!
— Dizem que ganham verdadeiras fortunas.
— E esse aí de blusa e bermuda cinza...
— É o goleiro do Brasil, sua tonta!
— Goleiro é o da Itália. Buffon. Até decorei o nome dele. Aquilo é homem pra quinhentos talheres.
— Eu sei que o de blusa cinza é o Júlio Célio. Não sou tão alienada assim. Até que não é de se jogar fora.
— Casado com aquela artista de novela. Loira aguada.
— Cada negão...
— E as coxas?
— E esses quatro aí, de roupa igual, entre as duas seleções? Parecem mais velhos...
IV
— Por acaso seu pai é vidraceiro?
— Sai da frente, moleque!
— Olha só o modelito do Dunga!
— O Brasil só dá passinho de lado. Parece que tá com medo dos caras. Esse Gilberto Silva morreu e esqueceram de enterrar.
— Devia ter levado o Hernanes, do São Paulo...
— Esse casaco do Dunga é daquele costureiro famoso, de nome difícil, Herbovitichi, uma coisa assim. Vi na UOL hoje de manhã cedo.
— ...O Hernanes, o Neymar, o Ronaldinho Gaúcho, o Pato, o Ganso, o marreco, a galinha... Tá tudo errado!
— Tenho o maior nojo dessa língua pra fora do Dunga, sabia? Mania! Vive com essa língua pra fora.
— Putaquepariu, como é se que erra um gol desses?
— O beque fez pênalti, não tá vendo no replay?
— Nossa, que empurrão! Estúpido!
— Juizfilhodeumadaputa!
— Olha só as pernas desse cara machucado, gente. Me abana!
— Mas o que o que o Ramires tá fazendo aí?
— Entrou no lugar de quem?
— Ô, moleque, quer parar com essa corneta infernal?
— Sai da frente, porra!
— Vão brincar lá na sala, vão!
- GOOOOOOOOOOOOOOOOOOL!
— Gol de quem?
— Gol do Brasil!
— Quem fez o gol?
— Não deu pra ver, a mãe dos gêmeos passou na frente bem na horinha.
V
— Nossa, nunca me diverti tanto na minha vida, meu amor!
— ...
— Tou falando com você! Eiiii, tou aqui i!
— Não me enche o saco!
— O Brasil ganhou e você fica com essa cara de quarta-feira?
— Não me dirija mais a palavra por hoje, por favor!
— Escuta aqui! Você vai no aniversário da minha irmã, se empanturra de carne, toma todas a tarde inteira, o Brasil ganha, e tá nesse mau humor? Eu, hein!
— Aproveita que você tá em pé e me traz um copo d’água!
— Levanta daí e vai buscar, seu folgado!
— Vou dar uma cochilada aqui no sofá. Deixa a televisão ligada no SporTv. Quando começar o teipe do jogo do Brasil, você me acorda.