O pai saiu da capital com o filho pequeno e foi pescar no interior. O pai não sabe pescar direito (nunca teve paciência) e o filho jamais pescou (seu sonho).
— Se o senhor for de canoa lá pro meio, o melhor é camarãozinho de água doce, desses bem pequenininhos. Conhece? É pra pegar piranha. Agora, aqui na beira, minhoca. Mas precisa cevar com ração de coelho, antes. Aqui dá mais porquinho. É ponhá e tirá!
— Porquinho?
— É... Tem minhoca lá no armazém da Donana.
Donana vai até o fundo da venda e volta com um balde cheio de terra. Calça uma luva de plástico amarela na mão direita e começa a remexer a terra. De lá, tira minhocas. Imensas. Gordas. Paradas. Agitadas, só quando Donana as pega do balde e as coloca no fundo da garrafa pet de refrigerante, cortada ao meio, cheia de terra, adaptada como embalagem de isca.
— Uso luva porque eu tenho um pouco de aflição de pegar direto na minhoca. Tem gente que tem nojo. Eu não tenho, não. São limpinhas, vivem debaixo da terra.
— Morde?
— Criança tem cada pergunta... Que morde que nada! Não fazem coisa nenhuma. Mais limpinhas que muita minhoca sorta por aí – e belisca o pinto do menino.
— Para! E onde é a cabeça da minhoca, moça?
— E eu sei lá? Só sei que de um lado, numa extremidade, fica a boca; na outra, o ânus.
— O quê?
— Bem... O bumbum da minhoca.
— Então, quando ela estiver comendo, a gente fica sabendo onde é a cabeça e o cuzinho dela, né?
— Quantos anos tem esse menino?
— O que que as minhocas comem?
— Vegetais misturados com terra.
— Éca.
Enquanto a mulher separa as minhocas, o pai do menino observa atentamente os movimentos dela e dos animais anelídeos (a popular minhoca).
— Moça, pra quê a minhoca?
— Isca, garoto. Minhoca só serve como isca pra peixe.
— Isca?
— É. A gente coloca a minhoca no anzol. Tá vendo essa coisinha aqui? Cuidado! Fura o dedinho. Isso é um anzol. A gente enfia a minhoca no anzol e joga no rio.
— Espeta ela aí? Nesse ganchinho? Que irado!
— Se sobrar minhoca, coloca elas num vaso de plantas grande e jogue um pouquinho de água. Mas não vai sobrar nada, porque vocês vão pescar todos os peixes do rio.
O pai passa protetor solar no filho e nele. Põe o boné no moleque e coloca um chapéu, emprestado, do caseiro do rancho onde estão hospedados.
— Dá a minha vara, pai!
— Calma! Deixa eu colocar primeiro a minhoca, senão o peixe não vem.
O pai pega o ‘estojo’ de isca e começa a remexer lá dentro. Sem luvas. Sem nojo.
— Vamos, pai!
Acha uma minhoca. Tenta segurá-la. Arisca. Ela parece menor do que aquelas que a Donana colocara na pet. Será que encolheram? O pai a segura entre os dedos e pega a vara do filho. Tenta enfiar a minhoca no anzol. Ela agita-se toda. Ele espeta o dedo. Ela escapa e cai no rio. Ele sangra.
— Ih, pai!
O pai recomeça a busca por outra minhoca. Elas parecem cada vez menores, cada vez mais assustadas. Com muito custo, segura outra. Prende firme entre os dedos, quase a esmaga.
— Não aperta ela assim, pai! Coitada... Saiu até uma gosminha da ponta, olhai! Vomitou ou fez cocô?
O pai não sabe como colocar a minhoca no anzol. Melhor enfiar pelo ânus, imagina. Aqui é a boca ou o ânus? A minhoca inquieta-se e cai de volta para a pet. E logo desaparece na terra. Elas pareciam tão grandes... Será que percebem que vão ser espetadas, por trás ou pela frente? O pai pega outra, que se encolhe e fica tremendo.
— Essa aí é filhotinha, pai. Parece que tá com frio.
O pai coloca a minhoquinha de volta na terra da pet. Procura mais outra. Acha uma um pouquinho maior, mas longe do tamanho daquelas grandonas que a Donana pegara. A minhoca contrai-se mais ainda. Rebela-se, ao perceber que vai ser furada. O pai atrapalha-se com as mãos. Sem querer, atravessa a minhoca pelo meio. Tem a sensação que enfiou uma lança no próprio peito. Parece até que ouviu um gemido dela. Ela fica se remexendo. Mais viva do que nunca. Ele não sabe mais o que fazer.
— Toma sua vara, filho.
— Mas assim a minhoca vai escapar.
— Toma a sua vara!
— Ué... Não vai pescar, pai?
— Daqui a pouco, filho. Daqui a pouco! Tô com o dedo machucado.
Depois de um tempo, o menino tira a vara do rio, sem a minhoca no anzol.
— Num falei? O peixe comeu ela, pai. Pega outra?
— O sol tá muito forte agora, filho. Vamos pescar mais tarde.
— Aaaa...
O pai e o filho voltam para o rancho e se encontram com o caseiro.
— Pegaram quantos?
— Tem um vaso de plantas aí? Dos grandes?