O negócio é dormir sem medo do outro dia. (Raul Seixas)

Laranja madura

Vacilo do goleiro! E dessa besta que cabeceou pra trás. Gol contra. O jogo tava nas nossas mãos, tava tudo sob controle... Agora vai ser difícil segurar a Laranja. Esses caras são vikings!

Olha lá, outra vez a Laranja! Gol do carequinha. Igualzinho o do outro careca da França, na final daquela Copa. Parece replay. Dançamos. A Laranja está madura. Já era.

Bem feito! Time sem craques num funúncia. Nunca funcionou. Os holandeses merecem. Os holandeses estão vibrando. Os holandeses são fanáticos por futebol. Lá também tem mesa-redonda com comentaristas esportivos querendo um saber mais que o outro, tem programa de futebol na hora do almoço, na hora do jantar e na hora de dormir. Com a vantagem que a gente não entende nada do que eles falam.

Os holandeses são mais fanáticos por futebol do que os brasileiros. Lembro-me perfeitamente quando passei pela Holanda, em 1992, ano de Eurocopa (a Copa do Mundo de futebol dos europeus), que eles consideram mais importante que o Mundial, porque não tem sul-americano, africano e asiático para encher o saco.

Foi durante a Eurocopa disputada na Suécia, vencida pela Dinamarca (2 a 0 na final contra a Alemanha). A campeã eliminou a Holanda nas semis, nos pênaltis (2 a 2 no tempo regulamentar). Quem perdeu o único dos cinco da Holanda foi o Marco van Basten, aquele centro-avante habilidoso, altão, bonitão, considerado o melhor do mundo na época. Fazia dupla com Ruud Gullit. Sempre gostei dos holandeses.

Nossa, parece um filme na minha cabeça. Tou me lembrando de tudo, com detalhes. Eurocopa 92. Holanda. Vikings. Fui testemunha ocular dessa história, desse momento do povo holandês. Estava em Amsterdã, a cidade dos maluco-beleza, quando a seleção Laranja foi eliminada na disputa de pênaltis. O país inteiro – crianças, jovens, velhos e velhinhas – vestia laranja. E choraram feito bebês.

Tem os barzinhos de Amsterdã, que as mulheres servem os fregueses usando calcinhas mínimas, fio dental, e coletinhos de garçons (olhando por trás, parecem que estão apenas de coletes); tem as putas das vitrines, que nem caras de putas têm, de tão bonitas que são, e ficam putas quando algum turista idiota (brasileiro) resolve fotografá-las; tem os canais que cortam a bela cidade. E também tem, com certeza, a moçada que vende droga abertamente nas ruas, em plena luz do dia.

O povo holandês neste momento é o mais feliz do mundo, por causa de seu fanatismo pelo futebol.

O povo holandês é maravilhoso. Cabeça feita. É bonito (reparou nas arquibancadas da Copa?), brincalhão, eternamente bem-humorado. Alto. Muito alto. As mulheres não medem menos de um metro e oitenta. Os velhos têm vez. As velhinhas andam de bicicleta pra baixo e pra cima nas ciclovias da capital. Existe alegria nas ruas. Lá não tem trombadinhas. Só trombadonas.

Trombadona, como aquela que eu levei ao ser ‘atropelado’ por uma bicicleta pilotada por uma ruiva, palmo e meio mais alta do que eu. Só notei a altura da moça, quando levantei-me da posição ridícula que me encontrava e estendi minha mão para ajudá-la a liberar suas imensas pernas brancas da bike. Ela começou a crescer e parecia que não ia parar nunca mais. Ela sorriu, com aquela expressão de comercial de pasta dental, ajeitou o vestido (sim, tou lembrando perfeitamente, de vestido florido, colorido, pedalando bibicleta), me deu uma piscada (juro) com aqueles olhos verdes, e sumiu, com seu cabelo vermelho solto ao vento pela ciclovia afora. A culpa do acidente foi minha, porque atravessei a ciclovia olhando para o lado contrário (na verdade, para uma outra ruivona bonitona. Ou seria loirinhona, dessas milhares que têm por lá, em tudo quanto é esquina?

O povo holandês está feliz esta semana. Vai beber cerveja sem parar. Eles bebem e fumam (desse mesmo, bródi) vinte e quatro horas por dia, inclusive de noite. Os homens vão urinar nos banheiros públicos espalhados pela cidade, já vi tudo. Altíssimos, os vasos sanitários da Holanda, condizentes com a população local. Estive lá em julho, verão brabo, como agora. A bebida mais consumida era (e é) a cerveja. O povo não saía do mijatórios. Eu, brasileiro, com meu metro e setenta e dois, com muito orgulho, pra fazer xixi, tinha de ficar na ponta dos pés. Assim mesmo, era ali, no limite. Saía dos banheiros públicos invariavelmente com os pés mijados. Mais um baixinho deslumbrado, no país das ‘Xuxas’.

A Holanda tem todo o direito. Os holandeses merecem. Os holandeses estão vibrando. Os holandeses são fanáticos por futebol. O Brasil quase pegou a Laranja. Tava ali, tão fácil. Só se esqueceram dos versos do samba do Ataufo Alves: Laranja madura, na beira da estrada. Tá bichada, Zé, ou tem marimbondo no pé.

Tinha marimbondo no pé, bando de Zé Mané. Picadura de marimbondo doi. Duas, então... Ai! Ui!

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Leonel Prata

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