(Para Roberval Adas e Ricardo Assef)
Quando fomos lançar o ‘Damas de Ouro e Valetes Espada’, livro de alguns dos cronistas do Primeiro Programa, em Lins, tive a felicidade de ver dois amigos queridos, o Babá e o Professor, sentados à mesma mesa, com as suas respectivas, na maior alegria. Estavam brigados havia anos e reataram a amizade naquela noite de autógrafos.
Babá está no seu consultório, com o motorzinho ligado na boca da paciente, quando o celular toca. Deixa tocar até o fim. Toca novamente. Ele desliga o barulhinho chato do motor.
— Alô!
— Sou eu, Babá!
— Professor?
— Sonhei com a sua mulher.
— Cê tá de brincadeira...
Babá desliga. Liga o motorzinho infernal e continua a trabalhar. O celular toca de novo. E de novo.
— Com licença... ALÔ!
— Babá, sonhei com a sua mulher!
— Escuta aqui, Professor, quer parar de me encher o saco com essa história? Vaicifu...
— Não desliga não, pelamordedeus!
— Fala logo!... Desculpa... Sonhou com a minha mulher e daí?
— Qual é a placa do carro dela?
— Cê tá de sacanagem...
— Só lembro que o último número era 9.
Desliga. Mas fica encafifado, porque não sabe a placa do carro da própria esposa e o amigo sabe o final. A paciente sai. Entra outra. Babá não está com a menor paciência de ligar para a mulher, para perguntar a placa do carro dela, só porque o amigo de infância quer saber. E correr o risco de tomar uma a bronca da patroa, por perder tempo com uma coisa tão idiota. O celular novamente.
— Só um minutinho... ALÔ!
— Babá, qual é a placa do carro da sua mulher, caraio?
— Sei lá! Não me enche o saco! Eu tô trabalhando, não tá percebendo?
Desliga. Pede para a paciente sentar. Coloca o babador de papel. Mas por que será que o Professor quer a placa do carro da minha mulher? Termina o trabalho. A paciente vai embora. E o celular...
— ALÔ!
— Babá... Só tenho cinco minutos, pelamordedeus!
Ele tenta lembrar a placa do carro.
— Pra quê você quer saber a placa do carro da minha mulher, Professor?
— Agora eu não posso falar. Diz aí, rapidinho! Só tenho três minutos.
Babá não sabe. Nunca soube. Como o amigo disse que o último número era 9, ele inventa.
— 7869. Sete, oito, meia dúzia, nove, Professor. Tá satisfeito agora?
— Tem certeza?
— Absoluta!
— Sete, oito, meia, nove... Valeu, Babá!
No final do dia, os dois se encontram na Lanchonete do Baiano, para tomar cerveja, como fazem todas as tardes, há anos.
— Você me encheu o saco o dia inteiro com essa história da placa do carro da minha mulher. Putaquelosparió! Sonhou o quê, com ela?
— Nada demais. Só sonhei que ela estava te pegando, de carro, aqui na porta do Baiano. Vê que coincidência?
— E daí?
— E daí que eu resolvi jogar no bicho com os números da placa do carro dela. Só isso. Algum problema?
— E precisava me ligar daquele jeito?
— A banca já estava fechando e eu joguei no milhar. Dez conto no milhar. Jacaré na cabeça! Tava com o maior palpite. Sonhei.
— E que bicho deu?
— Coelho. 2839.
— Bem feito! Joga no bicho por qualquer coisa... Mania!
— Se desse na cabeça, ia ganhar uns 30 paus. Já pensou?
— É, Professor... Sorte é pra quem tem, né?
Nisso, a mulher do Babá chega de carro. E o Professor vê a placa: 2839.
Saem na porrada. Ali mesmo.