No meu tempo de interior, quando jovem, a vida se resumia em jogar bola, beber cerveja e namorar. E ir pra zona, depois do namoro. Nada mais. Estudos? Era obrigação, a gente tirava de letra.
Aos sábados tinha ‘brincadeira dançante’, isto é, bailinho, no principal clube da cidade. Era nas brincadeiras que a gente se esbaldava, dançava de rosto colado, grudados, e voltava para a mesa, encurvados, subindo pelas paredes. A coisa parava por aí.
De vez em quando, apareciam garotas novas, vindas de cidades vizinhas. Era um alvoroço. Todo mundo queria dançar com elas. Havia as mais ‘saidinhas’, as que permitiam agarramentos, as que conversavam sem parar durante a dança; como também as que faziam doce, dançavam distantes, sem encostar o rosto, mudas. Frescas, diziam. Eu adorava dançar música lenta. Olhos fechados. Conversa ao pé do ouvido.
Minha vida nunca mais foi a mesma depois que as gêmeas apareceram no clube. De São Paulo! Primas de uma garota e de um garoto da turma. Foram passar as férias de julho na cidade. Foi o maior auê nas brincadeiras. Não eram idênticas. Uma mais bonita que a outra. Lógico que eu também me entusiasmei por uma delas, a que não namorou logo de cara. A outra, engatou um love com o galã da nossa turma, o que ‘pegava’ todas. Sem chances. A ‘minha’, quer dizer, a que não arrumou namorado, muito simpática, parecia não estar muito a fim de namorar. Só dançar. Deixava colar o rosto, é verdade, porque era da Capital. Moderna. Mas parava por aí. Será que tinha namorado em São Paulo? Noivo?
Não tive chance de tirá-la para dançar. A concorrência era grande, tinha fila pra ficar com a gêmea, que não namorava, mas dançava com todo mundo. Nos dias seguintes das brincadeiras, na sede de esporte do clube, lá estavam as duas, na piscina. O que que era aquilo? Uma de maiô azul e a outra de verde. Que pernas! Confesso que fiquei perdidamente apaixonado pela ‘solteira’, apesar de não ter trocado uma só palavra com ela. Nem olhares. Tinha tanta gente em cima, que ela nem reparara na minha existência. Estava gamado por ela.
Nas férias, também tinha brincadeira dançante às terças e quintas, além dos sábados. Tiro ela pra dançar? Será que ela vai me dar bola? Tremia da cabeça aos pés quando via a minha gêmea. Tomei coragem e resolvi tirá-la. Quando me aproximei da mesa que ela estava com a irmã (de mãos dadas com o namorado-galã), a prima e o primo, ela levantou-se para dançar com um carinha, que avançou na minha frente e a tirou primeiro. Percebi que era mais alta do que eu. Bem mais. Acho que nem na ponta dos pés, eu conseguiria colar o meu rosto no dela. E agora? Pirei. Notei que ela me notou pela primeira vez. Enquanto saía para dançar, me olhou de um jeito diferente. Será que tá tirando sarro da minha cara? Não, não pode ser. Do jeito que ela me olhou, parece que gostou. Mas o que eu posso fazer, se ela é mais alta do que eu?
Ficamos amigos. Amigos. Eu, cada vez mais apaixonado por ela. Ela não me dava bola. Bola no sentido de namorar, abraçar, beijar na boca. Ela gostava de conversar comigo, me achava divertido. Só isso. As férias acabaram-se, a irmã dela desmanchou o namoro com o galã, voltaram para São Paulo. A despedida? Um beijinho sem graça no rosto, isso porque ela era de São Paulo, mais ‘avançada’. Naquele tempo, nas despedidas, quando não se namorava, era um aperto de mão, no máximo um abraço, sem encostar os corpos.
Nas férias do verão, lá estavam as gêmeas de novo. A irmã, voltou com o galã. A minha, logo me procurou. Estava com saudades das nossas conversas. E as nossas conversas não passavam de conversas. Chegamos a conversar sobre a possibilidade de dançarmos juntos, já que ela reparara que eu gostava de dançar, mas ela ficou meio assim, quando me olhou de cima pra baixo. Outras férias de sofrimento.
Elas foram embora, voltaram na semana santa, nas férias de inverno, na semana da pátria, nas férias de verão... e a gente conversando, conversando. E eu, gamado, gamado. Depois dessas últimas férias de verão, elas nunca mais apareceram na cidade. O primo, meu amigo, disse que o pai delas comprou um apartamento em Santos e elas passaram a curtir as férias em José Menino. Nunca mais tive notícias das gêmeas.
Tempos depois, fui estudar e morar em São Paulo. Nem me lembrava mais delas. Passaram-se anos, muitos anos, casei-me, tive três filhos, separei-me, casei-me outra vez, tive outro filho. Segui minha vida até que...
Eu estava na festa de casamento da irmã da cunhada da minha mulher, quando, na igreja, noto uma mulher me olhando. Mulher já com certa idade. Bonita. Cabelos curtos. Comentei com a minha mulher: conheço aquela ali, conheço muito, mas não consigo me lembrar. A mulher bonita me sorriu, sincera. Eu retribui, amarelo.
Saímos da igreja e fomos para os comes & bebes. Lá, a primeira pessoa que vejo é o meu amigo do interior, o primo das gêmeas. Quem é aquela ali... Era ela, lógico, a minha alma gêmea. Casada. Maridão a tiracolo. Não acreditei. Fui correndo falar com ela. Ela tinha se lembrado de mim, assim que me viu na igreja. Ela continuava linda. A irmã, divorciada, também.
De repente, ela levanta-se para cumprimentar o noivo, seu sobrinho. Eu estava de pé. Reparei que ela já não era mais alta do que eu. Tínhamos o mesmo tamanho! E ela ainda estava com um saltinho... Passamos a festa inteira juntos, conversando sobre as nossas férias, as brincadeiras dançantes, as nossas conversas.
Lá pelas tantas, o DJ coloca uma música lenta no salão. Tremi da cabeça aos pés.
— Seu marido se importa se eu tirar você pra dançar?